UNIVERSIDADE DA MADEIRA

GRUPO DE ASTRONOMIA


Sextas Astrónomicas


Sexta-feira Astronómica - 14

Data: 26-04-2008

Assunto: O início de um novo Ciclo Solar

A Sexta Astronómica número 14 teve lugar no Sábado dia 26 de Abril de  2008. Como habitualmente, os participantes (Adrian, Hildegardo Laurindo e  Sandro) chegaram ao pátio da UMa pelas 20h e dirigiram-se para o  restaurante do costume. O Élder chegou alguns minutos depois ao local de encontro e demos início à discussão do tema proposto.
 
O tema proposto para este mês foi o Ciclo Solar, um fenómeno com um  período de aproximadamente 11 anos. Um ciclo solar é caracterizado pelo aparecimento de manchas escuras sobre a superfície do Sol. Cada mancha, ou conjunto de manchas, evolui durante alguns dias até desaparecer. No início de cada ciclo solar as manchas aparecem sempre a latitudes elevadas (acima dos 30ºN ou abaixo dos 30ºS). No entanto, com o decurso do ciclo, as novas manchas aparecem a latitudes cada vez mais baixas, aproximando-se mais do equador. A escolha do tema, para além de oportuna (começou em janeiro de 2008 um novo ciclo solar), teve por objectivo procurar entender melhor a dinâmica associada ao Ciclo Solar bem como a sua relação com a actividade magnética do Sol e com a emissão de radiação (nomeadamente raios X).

Estes assuntos foram discutidos durante o jantar com o apoio de alguma  bibliografia. Ficámos a saber  que o 24º Ciclo Solar tinha começado no início do ano e que esta era a  altura propícia para projectar um plano de observação regular e de  registo fotográfico do Sol. Este plano deve constar na pasta de  Projectos do LAI (Laboratório de Astronomia e Instrumentação) de forma  a ser seguido pelos membros do GAUMa regularmente. Foi também  discutida a verdadeira idade do Sol, já que as fontes revelaram  números relativamente diferentes, com variações de algumas centenas de  milhares de anos.

No documento que estavamos a analisar durante o jantar existia uma também pequena secção que falava sobre a influência do ciclo solar no comportamento dos seres vivos. Em particular, falava no Ciclo ou Ritmo Circadiano do Homem. Acabamos o jantar om uma discussão sobre este assunto (tendo surgido várias dúvidas).

Ao chegarmos à UMa, já sem o Sandro que teve de ir embora mais cedo, optamos por subir até ao terraço com a finalidade de verificar as condições atmosféricas. Embora o céu estivesse aparentemente limpo, o seeing era bastante mau (como se constatava facilmente ao olhar para uma estrela brilhante). Optamos assim por não transportar qualquer equipamento para o terraço.  Fomos para o Laboratório de Astronomia e Instrumentação (LAI) onde estivemos durante algum tempo a procurar resposta para algumas das questões surgidas durante o jantar.

Uma primeira questão estava relacionada com o facto de o Ciclo Solar 24 ter começado sem que o Ciclo 23 tivesse terminado. Acabamos por verificar que esta situação é até relativamente frequente. Um novo ciclo solar começa sempre com uma mancha escura localizada numa latitude elevada (25 a 30 graus) e com a polaridade magnética invertida relativamente às manchas solares observadas no ciclo anterior. A 4 de Janeiro de 2008 foi detectada uma mancha solar nessas condições marcando assim o arranque do Ciclo Solar 24 (Figura 1). Essa mancha designada por AR10981 era pequena e apenas foi observada entre os dias 4 e 6 de Janeiro. Entretanto durante o mês de Março foram observadas três grandes manchas na zona equatorial da superfície do Sol  ainda referentes ao Ciclo anterior, ou seja, ao Ciclo 23. Isto signiifca que nesta fase existem dois ciclos solares em progresso: o ciclo 24 que começou recentemente e  o ciclo 23 que ainda não terminou (mas que acabará por terminar ficando apenas o Ciclo 24).



Figura 1 - Imagem da primeira mancha solar referente ao Ciclo 24 obitda pelo SOHO (Solar and Heliospheric Observatory) - NASA/ESA.

No começo de cada ciclo solar as manchas formam-se tipicamente a latitudes elevadas (por volta de 35º). À medida que o ciclo avança para o seu máximo, caracterizado por um maior número de manchas (e.g. Hathaway et al. 1994), estas formam-se a latitudes cada vez mais baixas (i.e., forman-se cada vez mais próximo do equador). Quando o ciclo atinge o seu mínimo as manchas aparecem praticamente sobre a linha do equador. O gráfico da Figura 2 mostra a latitude das manchas solares em função do tempo. Este gráfico é usualmente designado por Diagrama Borboleta.



Figura 2 - Diagrama Borboleta para os ciclos solares 12 a 23 - NASA.

No diagrama que tinhamos disponível durante o jantar ficamos com a ideia de que, de ciclo para ciclo, as manchas aparecem, no início, a latitudes cada vez mais altas. Após uma análise mais detalhada verifica-se que, embora isso aconteça para alguns casos  (e.g. do ciclo 14 para o 15, do ciclo 21 para o 22,...), não pode ser considerado como regra geral visto que em muitos outros casos verifica-se excactamente a situação contrária. (e.g. do ciclo 15 para o 16, do ciclo 19 para o 20).

Embora a razão para o referido movimento de migração das manchas seja ainda desconhecida, existem diversas técnicas que permitem fazer previsões sobre a evolução de um ciclo solar. Em Hathaway et al. (1994) são apresentadas algumas dessas técnicas baseadas em dados que vão desde 1750 até ao presente. Vaquero (2007) apresenta um resumo do historial  da observação das manchas solares com dados que remontam ao ano -200.

Outra questão levantada durante o jantar estava relacionada com a idade do Sol. É comum afirmar que o Sol existe há cerca de 5000 milhões de anos, estando, sensivelmente, a meio da sua vida enquanto estrela da sequência principal. Queríamos saber se existem resultados mais precisos relativamente a esta matéria, em particular se existe alguma estimativa (menos grosseira) quanto ao tempo de vida que resta ao Sol.

Em Schröder & Smith (2008) é apresentado um estudo, baseado em modelos recentes,  sobre o futuro distante do Sol (e do Sistema Solar interior). Alguns dos resultados desse estudo são apresentados na Tabela 1. De acordo com estes, o Sol existe, como estrela da Sequência Principal, há 4850 milhões de anos e continuará como tal por mais 5150 milhões de anos. Assim, de acordo com estes resultados, existe um diferença de 150 milhões de anos para cima e para baixo, relativamente ao valor de 5000 milhões de anos, consoante falemos da idade do Sol ou do seu tempo de vida restante. Curiosamente a soma dos dois valores dá em ambos os casos o mesmo (5000 + 5000 = 10000 e 4850 + 5150 = 10000).

Tabela 1 : A evolução futura do Sol em termos de luminosidade (L), lemperatura superficial (Ts), raio (R) e massa (M). Lo, Ro e Mo representam os valores actuais para a luminosidade, raio e massa do Sol.
Fase da evolução Idade (milhões de anos) L/Lo Ts (K) R/Ro M/Mo
O Sol começa a brilhar como uma estrela da Sequência Principal 0 0.70 5596 0.89 1.00
Presente 4 580 1.00 5774 1.00 1.00
Ponto alto da fase de Sequência Principal 7 130 1.26 5820 1.11 1.00
Fim da fase de Sequência Principal 10 000 1.84 5751 1.37 1.00
Expansão para Gigante Vermelha 12 170 2730 2602 256 0.668
Começa a combustão do Hélio no centro do Sol 12 170 53.7 4667 11.2 0.668
O Sol entra no ramo das Gigantes 12 300 2090 3200 149 0.546
Pulso térmico que leva o Sol a um pico de luminosidade 12 300 4170 3467 179 0.544

Ainda de acordo com os resultados de Schröder & Smith (2008), o Sol em expansão atingirá a órbita da Terra quando a sua idade rondar os 12169.5 milhões de anos (0.5 milhões de anos antes de atingir o seu raio máximo que será de 256Ro, ou seja, aproximadamente 1.2 Unidades Astronómicas). Isto significa que temos ainda:

12169.5 - 4850 = 7319.5 milhões de anos

 para desfrutar da Terra.

No documento que o Sandro  nos facultou durante o jantar existe uma pequena secção sobre a influência do ciclo solar no comportamento dos seres vivos. Em particular falava-se no Ciclo ou Ritmo Circadiano do Homem. Ao pesquisar um pouco mais sobre o assunto ficamos a saber que o ciclo circadiano tem um período de aproximandamente 24h nos processos de comportamento bioquímico, psicológico ou comportamental dos seres vivos. Aplica-se a plantas, animais, fungos e cianobactérias. O termo circadiano foi introduzido por Franz Halberg e significa literalmente "aproximadamente 1 dia".  Franz Halberg é também o fundador da Cronobilogia (a ciência que estuda a relação entre os ciclos observados em organismos vivos e ritmos do Sol e da Lua). Os trabalhos de Halberg remontam à década de 40 do séc XX. Halberg foi também o fundador do Laboratório de Cronobiologia na Universidade do Minesota nos Estados Unidos. Verificamos também que existe um jornal (de acesso livre) sobre o assunto publicado pela BioMed Central. Para os interessados fica aqui o link: https://www.jcircadianrhythms.com/.

Na própria revista Nature existem diversos artigos sobre o assunto. É, por exemplo, o caso de "Metabolic clockwork"  (Grimaldi & Sassone-Corsi, 2007) cujo abstract indicamos a seguir:

The ‘body clock’ regulates the daily cycles of many physiological and metabolic processes, but just how is a mystery. New findings suggest that the cycling of energy metabolism is mediated by an activator of gene expression.

Aproveitamos ainda para ver algumas imagens e vídeos do Sol na página oficial do SOHO : https://sohowww.nascom.nasa.gov/

Demos por encerrados os trabalhos cerca da meia-noite.

Sandro Correia
Laurindo Sobrinho


Referências:

Grimaldi B. & Sassone-Corsi P., 2007, Metabolic clockwork, Nature, 447, 386.
Hathaway, D. H.; Wilson, R. M. & Reichmann, E. J., 1994, The shape of the sunspot cycle, Solar Physics, 151,  177 (ADS)
Hathaway, D. H.; Wilson, R. M. & Reichmann, E. J., 1999, A Synthesis of Solar Cycle Prediction Techniques, Journal of Geophysical Research, 104, 375 (ADS)
Schröder K.-P. & Smith R. C., 2008, Distant future of the Sun and Earth revisited, MNRAS, 386, 155 [astro-ph/0801.4031].
Vaquero, J. M., 2007, Historical sunspot observations: A review, Advances in Space Research, 40, 929 [astro-ph/0702068].
 
Solar and Heliospheric Observatory
Solar Cycle Prediction
The Sunspot Cycle
Diagrama Borboleta (actualizado mensalmente)


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