UNIVERSIDADE DA MADEIRA

GRUPO DE ASTRONOMIA


Sextas Astrónomicas


Sexta-feira Astronómica - 17

Data: 26-06-2010

Assunto: O misterioso objecto SCP06F6 descoberto pelo HST

No dia 26 de Junho, pelas 20h00, o Ilídio e o Laurindo já se encontravam à minha espera à porta da UMa. Liguei-lhes, cinco minutos depois, a dizer para irem andando para o Restaurante do costume, onde só chegaria por volta das 20h35, devido a um imprevisto. E assim foi, realmente. Com o acompanhamento de uma pizza e do jogo do mundial EUA-Gana em fundo, atacámos o primeiro tema da noite: o Hubble objecto-mistério, recentemente descoberto com publicação pela equipa The Supernova Cosmology Project (Barbary et al 2008, 2009) e título "Discovery of an unusual optical transient with the HST" (a que deram o nome SCP06F6).

Neste momento o NASA Astrophysics Data System (ADS) já regista 15 citações ao artigo, alguns com títulos bem sugestivos: "Long-duration Radio Transients Lacking Optical Counterparts are Possibly Galactic Neutron Stars" (Ofek et al. 2010); "NGC 300 OT2008-1 as a Scaled-down Version of the Eta Carinae Great Eruption" (Kashi et al 2010), este último dando mais um nome oficial ao transiente descoberto e, ainda, uma explicação para o mesmo (transferência gigantesca de massa de estrela gigantes para companheira da sequência principal). Ainda "Modeling the Light Curve of the Transient SCP06F6" (Chatzopoulos et al 2010), onde um tipo especial de supernova é colocado como explicação. Finalmente, "SCP 06F6: A Carbon-rich Extragalactic Transient at Redshift z ~ 0.14?" (Gansicke et al 2010), onde se informa que detectaram raios X numa "target of opportunity XMM-Newton observation made during the declining phase of the transient. The X-ray luminosity […] is 2 orders of magnitude higher than observed to date from SNe. If related to an SN event, SCP 06F6 may define a new class. An alternative, though less likely, scenario is the tidal disruption of a carbon-rich star." (do sumário).

O misterioso objecto SCP06F6
Figura 1 - O misterioso objecto SCP06F6 detectado pelo Hubble [http://hubblesite.org/newscenter/archive/releases/2009/04/image/a/].


Uma das surpresas da nossa conversa era a total ausência, no artigo de Barbary et al (2009), de qualquer alusão a um seguimento no rádio, raios X ou outras bandas do espectro electromagnético. Mas a publicação de dados com raios X (Gansicke et al 2010) sugere que o mesmo ainda pode acontecer no rádio (talvez do programa SETI, que não pára a olhar para todos os cantos do céu?). Outra das nossas surpresas foi a rapidez com que a possibilidade de microlensing foi eliminada, especialmente quando uma das razões apontadas é a de que o microlensing dura umas horas com alta ampliação, enquanto o caso em apreço durou meses. Só que, até hoje, microlensing só de tem detectado em quasares (fonte e lente muito próximas) e na nossa galáxia e vizinhas (observador, lente e fonte muito próximas). É claro que há bem mais situações. Aliás, o artigo de fundo mencionado a propósito pelos autores (Paczynski 1986) tem o sugestivo título "Gravitational microlensing by the galactic halo"… E os outros dois artigos mencionados (Abe et al 2004; Dong et al 2006) também não ajudam em nada a fortalecer o argumento, antes pelo contrário: "Planetary Detection Efficiency of the Magnification 3000 Microlensing Event OGLE-2004-BLG-343"; "Search for Low-Mass Exoplanets by Gravitational Microlensing at High Magnification". E, para concluir o rebate deste ponto particular, a "Bíblia" de Lentes Gravitacionais (Schneider et al 1992) tem, na sua Figura 12.9 (página 428) microlensing para todos os gostos, até para durar muitas décadas (grande ampliação). Tudo concretizado para um quasar (2237+0305A) que, na altura, era dos poucos com efeitos medidos. E o que se escreve no texto é bem elucidativo: consideraram eventos os 20 casos com ampliações >0.3mag em 0.23 anos (ou seja, cerca de dois meses!). Ainda, que há muito evento com >0.5mag de ampliação em escalas de menos de um mês a vários meses. E poder-se-ia explorar muito mais, claro… Não parece, assim, ser possível eliminar microlensing pelas razões apontadas neste particular.

Uma curiosidade que surgiu durante a conversa foi a questão da visibilidade do Hubble Space Telescope (HST). De facto, a curva que Barbary et al (2009) construiram para o transiente tem nove épocas com o HST mas depois teve de recorrer ao Subaru para as últimas três. Porque o HST já não conseguia observar o objecto. Realmente, há uma tabela de visibilidade para o HST, conforme a declinação do objecto (ver http://www.stsci.edu/hst/proposing/documents/primer/Ch_64.html#VisTable). Aí vemos que a visibilidade varia de 54 a 61 minutos. Como a órbita dura 96 minutos, um terço a metade do tempo o HST não pode seguir os objectos. Uma descrição agora em termos de visibilidade angular no céu é dada em http://www.stsci.edu/hst/proposing/documents/primer/Ch_2_Systemoverview3.html#1876789. Aqui vemos que é o plano de órbita do HST que manda e que, perpendicularmente a esta e dentro de 24º não há qualquer problema. Mas a Terra gira à volta do Sol e o HST à volta da Terra sempre da mesma forma (com uma precessão orbital de 56 dias de período). Assim, chega a uma altura que a zona onde se viam bem os objectos de interesse... é agora de outros!

Mas o segundo tema da noite teve pano para mangas. De facto, conversámos os três sobre o (incerto) futuro da Astronomia na Madeira, com os recentes acontecimentos na UMa que muito nos preocupam. E a conversa começou pelas 21h35 ainda no Restaurante, prolongou-se pelas 21h50 enquanto pagávamos e saímos e continuou no LAI para onde fomos de seguida. E saímos pelas 1h10 do dia seguinte, com o sentimento que muito mais haveria para dizer. Esta noite não houve observações, embora o céu não estivesse assim tão mau (algumas abertas). Mas pairavam (e ainda pairam - até quando?) nuvens grossas e muito escuras de uma chuva ácida e mortal que parece iminente...

Pedro Augusto


Referências:

Abe et al (2004), Science, vol.305, p.1264.
Barbary et al (2008), Astroph, Arxiv: 0809.1648v1.
Barbary et al (2009), The Astrophysical Journal, vol.690, p.1358.
Chatzopoulos et al (2010), The Astrophysical Journal, vol.704, p.1251.
Dong et al (2006), The Astrophysical Journal, vol.642, p.842.
Gansicke et al (2010), The Astrophysical Journal, vol.697, p.L129.
Kashi et al (2010), The Astrophysical Journal, vol.709, p.L11.
Ofek et al (2010), The Astrophysical Journal, vol.711, p.517.
Paczynski (1986), The Astrophysical Journal, vol.304, p.1.
Schneider et al (1992), Gravitational Lenses, Springer-Verlag.



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